Por Desembargador Robson Marques Cury 

Magistrado André Carias de Araujo 

Legenda

MAGISTRADO ANDRÉ CARIAS DE ARAUJO 

Por Desembargador Robson Marques Cury 

André Carias de Araujo, filho de José Tadeu Vasconcellos Araujo e Judimar Carias de Araujo, nasceu em Curitiba-PR, em 28 de março de 1978. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Puc-PR), turma de 2001. 

Ele ingressou na magistratura paranaense em 2006, exercendo suas funções nas comarcas de Wenceslau Braz, Irati, Santa Helena, Bandeirantes, Colombo e Curitiba, onde atuou nas Varas de Família, no Núcleo de Conciliação das Varas de Família - programa Justiça no Bairro, 2ª Vara Descentralizada do Boqueirão e 7ª Vara de Família.  

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), André Carias possui especialização em Direito Processual Penal pela Puc-PR; Direito Penal pela UFPR; Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera (Uniperp); Direito Internacional pela Organização dos Estados Americanos (OEA); Direito das Famílias e Direito das Sucessões pela Faculdade Educamais (IBDFam). 

Em seu mestrado, ele foi orientado pela renomada professora de Direito Constitucional Vera Karam de Chueiri, concluindo sua dissertação intitulada “Diálogos institucionais como instrumento de desenvolvimento de uma jurisdição constitucional democrática”. Além disso, fez parte do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia, da UFPR. 

No magistério, ele atuou junto à Escola da Magistratura do Paraná (Emap) e à Escola Judicial do Paraná (Ejud). Também atuou como formador de instrutores de mediação judicial certificado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Credenciou-se como juiz formador pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).  

Em sua carreira, o magistrado André Carias, há muitos anos atua na área de família. 

Conta o magistrado que, no ano de 2015, ao assumir a coordenadoria do Núcleo de Conciliação das Varas de Família de Curitiba, a convite da desembargadora Joeci Machado Camargo, criadora do programa Justiça no Bairro, diante da natureza dos conflitos de família, que antes de serem jurídicos, são essencialmente afetivos, relacionais, percebeu a relevância de aprimorar suas habilidades para compreender as necessidades humanas e como elas impactam os pedidos formulados em processos judiciais.  

Decidiu, assim, aprofundar seus conhecimentos, certificando-se como mediador, facilitador de justiça restaurativa e depois como instrutor, capacitando, a partir de então, instrutores de mediação judicial e mediadores no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) e em diversos tribunais do país.   

Com a experiência adquirida na mediação de conflitos, pôde, ainda, contribuir com o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJPR, na gestão do 2º Vice-Presidente, José Laurindo de Souza Netto. 

No ano de 2017, foi convidado pelo corregedor-geral da justiça, desembargador Rogério Luís Nielsen Kanayama, a ministrar aula no 3º ciclo da Academia da Magistratura, em que pôde transmitir aos juízes e as juízas um pouco de sua visão a respeito da importância dos métodos consensuais na solução de conflitos familiares:  

“O Direito de Família se caracteriza como o ramo do Direito mais sujeito às transformações sociais e culturais pelas quais o ser humano tem passado ao longo dos anos. Somente nas últimas décadas, foram vários os conceitos de família que demandaram amparo legal, em uma dinâmica de forte ampliação de seu conteúdo. 

Nos dias atuais, a família tende a se estruturar sob os pilares da afetividade e da solidariedade. A diversidade de gênero não se configura mais como pressuposto para o reconhecimento jurídico das entidades familiares, que tem como foco de atenção e cuidado os integrantes da família, reconhecidos em sua individualidade. 

Para esta família, cuja organização se efetiva de uma forma mais livre, igualitária e não matrimonializada, a manutenção do vínculo entre pais e filhos após a ruptura do casal tornou-se um desafio que precisa ser superado, sob pena de graves prejuízos para as gerações pós-divórcio.  

Pesquisas indicam que, ao vivenciarem a separação ou divórcio dos pais, a maioria das crianças passa por um período de infelicidade e insegurança. Entretanto, se elas recebem atenção, apoio e carinho suficientes, a maioria consegue se adaptar e estabelecer um padrão normal de desenvolvimento. Tal ajuste é facilitado quando os pais separados são capazes de cooperar uns com os outros. 

Tradicionalmente, os conflitos de família são resolvidos pela via judicial heterocompositiva. Nesse modelo, coloca-se fim ao processo (lide processual) por meio da sentença, mas não se consegue, muitas vezes, solucionar o conflito subjacente, real, representado pelos interesses e sentimentos dos envolvidos, a denominada lide sociológica.  

À crescente insatisfação com os processos do tipo vencedor-perdedor de resolução de conflitos, de caráter impositivo de tomada de decisão, na qual os interesses subjacentes das partes muitas vezes não são alcançados, somam-se os custos elevados em dinheiro, tempo, recursos humanos e os danos emocionais que os processos adversariais acarretam. 

Frise-se que o acesso à justiça constitui direito fundamental (CF, art. 5º, inciso XXXV) que vai além da possibilidade de ajuizar uma ação. O verdadeiro acesso à Justiça acontece com a resolução dos conflitos na sociedade de forma 
satisfatória e dentro de um prazo razoável, o que pode ser alcançado por outros métodos além de uma sentença judicial. 
 
Para a concretização desse escopo, estruturou-se um sistema denominado multiportas, representado por uma estrutura judicial e uma cultura jurídica que incorpora diversos meios de resolução de disputas, como a mediação, conciliação, processos circulares relativos à Justiça Restaurativa, arbitragem, entre outras práticas colaborativas. 

Conflitos que envolvam relações continuadas exigem formas de solução adequada. A sentença judicial não precisa ser a única via de solução de um conflito. As soluções colaborativas e consensuais são de elevada importância em algumas espécies de disputas. Isso não significa que não haja casos que devem ser objetos de sentença, mas eles não devem refletir a regra dos conflitos. 
 
Especificamente na área de família, o conflito não pode ser analisado como um binário, a abordagem deve ser pluralista. Nem sempre existe apenas uma resposta certa para uma situação. Nesses casos, a missão do Poder Judiciário não deve se focar na definição de quem está certo ou errado, mas na busca de soluções efetivas, aptas a estabilizar as dinâmicas familiares. 
 
Para aquelas famílias que vivenciam uma situação de conflito, a mediação possibilita a manutenção da comunicação fundada na compreensão recíproca, e, por consequência, a conscientização de que é o casal conjugal que se dissolve, e não o casal parental, que terá que se revigorar para ter continuidade. 

Por intermédio da mediação se propicia o resgate de relacionamentos abalados ou rompidos em decorrência das divergências e dos desentendimentos que delas advieram. Um dos objetivos da mediação é colaborar, por meio de uma comunicação funcional, para que os envolvidos sejam corresponsáveis na transformação do conflito; na estruturação de novas relações que visem o presente e o futuro, e na cocriação de possibilidades de entendimento e autocomposição. 
 
Aliado a isso, a mediação tem também uma função pedagógica, na medida em que promove o empoderamento dos envolvidos que protagonizam o processo de resolução de suas próprias disputas. Trata-se de um instrumento de educação, de difusão da paz e promoção da cidadania, na medida em que viabiliza que as pessoas alcancem as soluções de seus desentendimentos com uma mentalidade mais participativa, prospectiva e menos beligerante.” 

Por causa de sua trajetória na mediação, o magistrado acabou conhecendo o professor e mediador argentino, Juan Carlos Vezzulla, de quem se tornou aluno e amigo. Em razão disso, escreveu uma obra em homenagem a seu mentor na área de mediação de conflitos intitulada “Juan Carlos Vezzulla: a arte da mediação”. No prefácio da referida obra, pontuou André Carias: 

“Desde os primeiros contatos que tive com o professor (maestro) Vezzulla em um curso de mediação familiar, realizado na cidade de Joinville, em Santa Catarina, nasceu um profundo encantamento e grande admiração pela sua forma de enxergar as pessoas e os relacionamentos. O olhar que vai além do aparente, a escuta – aprimorada por sua origem na psicanálise – que parte do acolhimento e assume a perspectiva do outro, a capacidade de perceber a essência dos seres humanos. 

Nas formações de mediadores com o maestro Vezzulla, características como essas ficam evidenciadas desde o acolhimento, que permite o desenvolvimento da capacidade de sensibilização de cada um dos participantes, até o trabalho em si, que leva em consideração a complexidade e as múltiplas facetas dos seres humanos. Esta vivência leva o mediador a conhecer aquilo que não sabe a respeito do outro, de modo a atender a toda inteireza e à diversidade humana. (...) A vida e o pensamento de Vezzulla demonstram como todos podemos viver e nos relacionar em sociedade de uma forma consciente, livre, responsável e, por consequência, mais harmônica.” 

Ainda, a experiência obtida com seus estudos levou o magistrado André Carias a proferir uma palestra na 7ª Conferência da Advocacia Paranaense, no ano de 2021, durante a qual destacou que “a forma de manejo de um conflito de natureza familiar, sem considerar a dinâmica da família e as necessidades das pessoas envolvidas, pode produzir severos danos nas relações familiares.”  

Em continuidade, pontuou que “ao se pensar em conflitos de natureza familiar, além da razão, própria do sistema normativo e da aplicação lógica da lei, fruto do racionalismo iluminista, que nos lembrou, na data de hoje a dra. Andrea Pacha, devemos abrir espaço ao coração, reconhecendo a humanidade das pessoas e suas realidades, como também nos trouxe, nesta data, de maneira brilhante, a dra. Ligia Ziggiotti. 

As pessoas que passam por um conflito de natureza familiar estão fragilizadas e vivenciam situações complexas que impõe o cuidado, a atenção e o acolhimento de forma integral. O sociólogo Edgar Morin lembra que somos seres humanos complexos, contraditórios, de múltiplas facetas. Olhar o Direito das Famílias a partir das pessoas implica em reconhecer que as questões relacionadas à família são multifacetadas. O direito é apenas uma das facetas. 

Quando se analisa as dimensões psicológicas do divórcio há quem compare este momento às fases do luto. O divórcio envolveria assim um ciclo, às vezes mais, às vezes menos demorado. Durante essas fases, os sentimentos vão se alterando, o que impacta no tipo de comportamento das pessoas. Há momentos que não se consegue falar, ouvir a voz do outro, o diálogo fica comprometido, tem mágoa, rancor, tudo isso faz parte. Com o passar do tempo, isso pode ir se alterando, outros sentimentos e comportamentos podem surgir. Temos que ter essa sensibilidade. Saber que é um processo transitório. 

Assim, quando da ruptura de uma relação de conjugalidade em que existem filhos é necessário dar voz às pessoas e buscar compreender, além das questões jurídicas, as necessidades humanas, respeitando, escutando e acolhendo suas emoções, sem, obviamente, qualquer objetivo terapêutico, mas de forma a propiciar o reconhecimento de sua humanidade e a construção de soluções que viabilizem a continuidade do exercício da relação de parentalidade.  

Nos últimos 12 anos em que estive envolvido com solução de conflitos familiares, tenho percebido que, no final das contas, uma das minhas habilidades que mais vem contando é a escuta das pessoas. Aprendi a escutar as histórias. São histórias de vida, cada pessoa tem uma história de vida. Na rotina, entramos no automático e deixamos de escutar e valorizar a história das pessoas, de dar atenção. As pessoas precisam ser escutadas. Para mim, essa deve ser a essência da mediação.” 

Diante da realidade vivenciada por casais que passam pelo difícil momento da ruptura da relação conjugal, no ano de 2015, quando atuava junto ao Núcleo de Conciliação das Varas de Família de Curitiba, o magistrado André Carias, em parceria com profissionais da psicologia, idealizou e executou a Oficina de Pais e Filhos.  

Nas palavras do magistrado: “a separação é uma crise que traz muitas perdas, mas não significa a destruição da família. Dessa crise, a família pode sair tanto desorganizada e sintomática, quanto evoluída e fortalecida, porque crises são oportunidades para crescimento. Daí a ideia da Oficina de Parentalidade, ou de Pais e Filhos, que foi criada com a finalidade de auxiliar pais e mães a enfrentarem as consequências decorrentes do fim da relação conjugal. Tratava-se de um programa educacional multidisciplinar, com o objetivo de transmitir aos pais técnicas apropriadas de comunicação na família, reflexões a respeito das consequências que os conflitos proporcionam aos filhos, bem como informações legais sobre a alienação parental, guarda, convivência e pensão alimentícia.” 

Em entrevista concedida à Amapar, o magistrado explicou que “o encerramento de uma relação familiar raramente vem desacompanhado de intensos reflexos emocionais, seja em relação ao casal, seja em relação aos filhos dela decorrentes. A oficina focaliza justamente a administração de tais sentimentos, a fim de suavizar a trajetória a ser percorrida até a construção de um novo modelo familiar. O rompimento da relação a dois não implica no término da família, apenas sobrevém a transmutação de seus contornos, mas sempre remanesce hígida a preocupação com o bem-estar dos descendentes. Nesse contexto, a oficina não só visa transmitir aos pais a relevância do respeitoso diálogo, mas também a imprescindibilidade da manutenção de laços saudáveis entre os responsáveis pela administração do futuro dos filhos da convivência anterior. Essas medidas não só alcançam uma maior satisfação emocional dos envolvidos nos conflitos familiares, mas, via reflexa, findam por desobstruir o Judiciário, na medida em que o índice de acordos, após a realização das oficinas, aumenta consideravelmente.” 

Em paralelo às suas funções na magistratura, ao ser promovido para a comarca de Curitiba, no ano de 2011, André Carias decidiu se juntar a um valoroso grupo de magistrados que vinham se dedicando a uma importante causa social da magistratura paranaense, o Projeto Ser Social.  

O Ser Social é um projeto de responsabilidade social mantido pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), desde 2005, idealizado por um grupo de juízes e juízas durante a gestão presidida pelo magistrado Gilberto Ferreira. 

Com o intuito de atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social do bairro Guarituba, em Piraquara, onde se situa a sub sede  Zeferino Krukoski, segundo o site do Ser Social (https://www.sersocial.org.br/) “o projeto desenvolve atividades no contraturno escolar. As atividades realizadas pelo projeto são custeadas por intermédio da valiosa contribuição financeira de magistrados e magistradas do Paraná e de parcerias celebradas com outras instituições públicas e privadas. 

O trabalho do projeto focaliza o desenvolvimento de atividades esportivas e culturais, abrangendo oficinas de artes visuais, direito e cidadania, futebol, informática, inglês, habilidades sociais e pedagógicas e música, além do atendimento e acompanhamento do Serviço Social. As oficinas promovem atividades que contribuem para formação socioeducacional destes jovens, ocupando o tempo dos beneficiários com novos aprendizados e conhecimentos, contemplando a educação integral para construção e ampliação de competências. Desde seu início, o projeto já prestou atendimento a mais de 2 mil jovens.” 

Ali, o magistrado André Carias pôde conhecer e aprender com a experiência e maestria de devotados magistrados que compõem a diretoria do Projeto: Gilberto Ferreira, Joel Pugsley e José Luiz Dosciatti. 

No Ser Social, André Carias decidiu criar, no ano de 2012, a oficina de Direito e Cidadania.  

Segundo o site do projeto, a oficina foi idealizada “com a finalidade de transmitir aos jovens do Ser Social, por intermédio de palestras e uso de materiais como cartilhas, revistas, jornais e vídeos, conhecimentos relacionados à cidadania, direitos e deveres do cidadão. 

Nas palestras eram abordados temas relevantes à formação pessoal e social dos participantes, extraídos da Constituição Federal, legislação nacional e demais áreas humanas. O conteúdo visava focalizar informações úteis à vida em sociedade dos jovens, de forma a conscientizá-los acerca de seus direitos e orientá-los sobre a forma de sua efetivação – inclusive por meio de técnicas adequadas de resolução de conflitos, como a mediação, conciliação e justiça restaurativa –, bem como sobre os correspondentes deveres na esfera público-privada. 

Com o tempo, o trabalho foi expandido com a finalidade de estabelecer um diálogo com os pais das crianças e adolescentes do Projeto e conscientizá-los acerca da importância da família na estruturação da sociedade e na formação dos jovens como cidadãos. 

Em complementação às palestras, foi formada uma biblioteca para os alunos com acervo de livros, jornais e revistas. No início das palestras sempre era abordado algum livro ou matéria jornalística com o intuito de estimular o hábito da leitura e a formação de uma consciência cidadã.” 

Muitos do Poder Judiciário não se dão conta da importância e do alcance do Programa Ser Social concebido no seio da Associação dos Magistrados do Paraná. 

André Carias, um dos integrantes dessa diretoria, atua incessantemente, trabalhando com o poder da educação transformadora nas comunidades, como um dos principais programas de responsabilidade social do estado, focado na educação e cidadania, preparando gerações de jovens para o desafio da vida adulta. 

O longevo programa do Ser Social, com o diferencial de ser mantido pela magistratura, constitui proposta pedagógica inovadora, promovendo a visão integrada do conhecimento mantido pelas escolas tradicionais, atingindo, inclusive, as famílias desses jovens carentes. 

Este é futuro que se espera da justiça, decantada em profissionais comprometidos em equalizar a aplicação das leis com as necessidades das pessoas, de modo a se alcançar a verdadeira pacificação social.